terça-feira, 3 de julho de 2012

Ensaio sobre a cegueira

Funny, isn’t it? Estou nos Estados Unidos sem energia há 3 dias, está é a tarde do quarto.
Quando liguei para minha avó e mãe, para avisar que eu tava viva, ambas se surpreenderam que, SIM!, a energia também acaba do lado de cá. Confesso que no começo também fiquei surpresa, mas posso falar? A merda de todo mundo fede igual.

Alimentos estragando na geladeira que não tem como funcionar, o ar condicionado que já não há nos convidando a uma sauna eterna no calor de 40º do verão americano, todos indo dormir quando a luz do dia cessa e acordando junto com o raiar do dia.

Esses últimos dias nossa intimidade cresceu mais do que teria crescido em um ano se a energia não tivesse falhado. Sim, os EUA falha. Tive a companhia de dois homens maravilhosos na minha cama essa noite: o menor e o maior. Um deles caiu da cama no meio da noite e eu quase tive um treco! Já o outro teve um treco que durou a noite inteira, chutando, se esticando e empurrando suas companhias na minha cama de casal! Hehehehe...

Eu podia estar sofrendo muito, sério. Nesses três dias tive idéias e mais idéias de textos, mas hora o computador não ligava, hora a luz do dia não estava presente para que eu escrevesse em algum papel.

Resolvi passar o tempo maior com a minha host family, ajudando a limpa a geladeira, fazendo arte com os meninos, acompanhando-os em todas as refeições fora de casa. Aproveitei pra reparar em muita coisa que ficou mais clara no escuro.

Estou lendo um outro livro do Patch Adams: “Gesundheit!”. Esse livro conta sobre o seu projeto de Hospital/Comunidade e fala bastante sobre política e sobre o capitalismo americano.  Algumas partes do livro, isso que não estou nem na metade ainda, me fizeram pausar a leitura por uns momentos, quase chorar, pensar por mais uns momentos e continuar a leitura. Sempre por dois motivos, a semelhança enorme que existe entre o projeto do Patch e tudo o que pensei sobre o Abraço Grátis e pela situação, não só da medicina mas também da sociedade, mundial que vivemos.

Conversei um pouco com o meu host dad sobre a situação da saúde nos EUA. Tem um documentário que já fala disso, sobre como funciona o bussines da saúde. Assim que eu lembrar o nome indico aqui pra vocês!

“Aqui é um exemplo exato de capitalismo, você pode ter tudo, tudo mesmo, o melhor carro, cursar a melhor faculdade, ter ar condicionado na sua casa, as melhores roupas, mas precisa fazer as escolhas certas. Se você não tem o que comer ou não tem um bom emprego, o governo não vai se preocupar com você! Então você trabalha muito para ter as suas coisas. Aqui é o pior país para ser pobre! O que o Obama fez pela saúde foi criar uma lei onde o seguro de saúde é obrigatório, ou seja, você tem que ter um seguro de saúde ou sua empresa tem de pagar pelo seu seguro, do contrário você ou a empresa recebe uma multa. E se você não tem dinheiro e vai para um hospital, eles não vão te tratar. Por exemplo, se você tem uma fratura, eles vão estancar o sangue, para que você não morra por hemorragia, mas não vão tomar todas as providencias necessárias se alguém não pagar. Já tentaram implantar um sistema de saúde público aqui mas as pessoas que pagam por taxas e por seguros não querem que suas taxas vão para pessoas que não pagam um desses ou os dois, então por mais que os políticos tentem uma mudança no sistema de saúde, a própria sociedade não aprova essa mudança!”

E foi com um sorriso de decepção, desespero e sem solução que meu chefe me contou tudo isso. Meus chefes são especialíssimos, eles tem um elevado nível de humanidade nessa terra de tanta hipocrisia e patriotismo.  Fui abençoada! É engraçado estar vivendo essa situação.

Acho que há duas semanas, fui no colégio dos meninos e passei em frente a uma sala de música, fiquei maravilhada, tinham muitos instrumentos, tudo muito inteiro, limpo, bem cuidado, bem organizado. Falei com a diretora, pedi pra conhecer a sala e ela pediu que eu voltasse no começo do ano letivo deles, em Setembro, assim além de conhecer a sala poderia assistir uma aula e quem sabe me voluntariar para dar assistência a professora de música. Fiquei com isso na cabeça e pensei em mil coisas. A primeira delas é que sem dúvidas devo voltar lá em Setembro, hehehehehe... Mas uma das coisas que me incomodou foi a diferença das escolas públicas no Brasil, então resolvi aproveitar a conversa e a falta de energia elétrica pra dividir com o meu chefe. Mais uma explicação sobre o que eu acreditava ter visto por ai:

“Não, não, Risa! A grande maioria das coisas que tem naquela sala são compradas pelos pais das crianças. Sabe o parque do bairro? Então, o governo até ajuda, mas com muito pouco, daí nós nos juntamos, orçamos, colocamos uma meta e realizamos o projeto.”

Ahhhhhhhhhhhhhh, tá!

E eu repito a sábia frase de Saramago “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara!”

E em meio a tanta escuridão, enxerguei muita coisa. A política americana e a situação mundial foram só duas delas. Acho que o que mais importou de fato foi ter enxergado além da barreira dos olhos.

O que é realmente verdade se não aquilo que nós vivenciamos até hoje? Como acreditar que tal nação é isso ou que aquele sentimento é puro e verdadeiro. Sentir mais e trocar o sobreviver pelo viver faz toda a diferença.

Acrescentando a sábia frase: se reparou, reflita, cale-se e aceite que cada olho enxerga de acordo com a sua própria perspectiva.

Tenho vivido experiências singulares e tento passar o máximo de aprendizado possível por aqui, mas o que são minhas palavras se não imagens?

A única coisa que posso desejar é que esses olhos que me leem agora vejam e reparem: nunca se viu o bastante para julgar-se suficiente e nunca não se viu o suficiente para julgar-se vazio. Nossos olhos só enxergam o que nós mesmos queremos ver.
Um abraço cheio de energia,
eu amo você! 

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