segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Um corpo cheio de memórias!

A cada vez que me toco, a cada fez que me percebo, volto a milhares de situações.
Percebo meus vícios e apegos, no meu sotaque, no movimento automático para digitar a senha do celular antigo no celular novo, no impulso de trocar a marcha de um carro automático, no pensamento em português para construir uma frase em inglês. Meu corpo é memória cheio de memória.
A cada dia, a cada passo, a cada escolha, vou substituindo o espaço corpo, deixando para trás velhos costumes, traumas antigos, coisas que já me pertenceram, fica uma vazio estranho, aquele medo de uma incerteza, mas uma prontidão para olhar o que está ao meu redor, o que é novo.
O apego por tudo que me construiu insiste em dizer que tá bom assim, mas não está, nunca está, estamos mudando a cada segunda, uma célula que morre e outra que acaba de ser construída.
Como permanecer a mesma?
Como viver em um corpo de memórias se a memória de amanhã é o agora e se depois de amanhã já será uma outra história?
Vou me despindo, entrando em um esquecimento forçado do que eu sou sem esquecer tudo que passou mas percebendo que isso não me define.
Quem é que tem coragem de definir o que foi, o que é e o que será? E pra quem conseguir definir, consegue dizer a mesma verdade no dia seguinte?
A memória se transforma, a mente nos engana, os sentimentos nos ilude, mas o agora... Ele é, mesmo que já foi no instante seguinte. Por mais que o passado e o futuro tentem interferir, tentem roubar a cena, tentem definir, é o agora que conta e vale a pena fazer-se presente, e quando tentamos o afirmar já perdemos o próximo "agora" que acabou de passar.
Melhor do que ser um corpo cheio de memórias é esvaziar-se para viver o que há.
Se eu não flexibilizo meu sotaque, ninguém me entende, se eu insistir em digitar a senha errada, meu celular bloqueia, se eu trocar de marcha no carro automático, o carro para.
Tudo mudou e tudo muda num instante sem pensar.
Meu corpo é um constante criador de memórias, mas meu corpo é um corpo que constantemente deseja viver o agora!

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Antes de atravessar, segure minha mão!

Cheguei bem, pela segunda vez, deixar uma rotina para trás e mergulhar de cabeça em uma rotina completamente diferente, viver o desconhecido, me desconhecer para me reconhecer em um outro lugar.

É bom estar aqui mais uma vez, agora em outro tempo, em outra fase.

Muita gente me pergunta porque estou voltando para o programa de Au Pair depois de ter uma carreira feita e estar encabeçando alguns projetos que tiveram um reconhecimento considerável.

Reconhecimento de quem e para que eu me pergunto.

A militância me trouxe vivências e conhecimentos extremamente necessários para minha trajetória, dito isso queria trazer duas frases que me encantam "Há que endurecer-se, más sem perder a ternura, jamais!" e "Vida é o que acontece com você enquanto você está ocupado fazendo outros planos.", Che Guevara e John Lennon.

Cheguei aqui há duas semanas, num contexto político que nunca imaginaria estar inserida, governa um símbolo do ódio e da intolerância, não que esteja muito diferente no Brasil. Passei por 3 dias de treinamento e cheguei em uma família que me recebeu de braços e abraços abertos. Os pais, quatro filhos e dois cachorros.

Em meio a turbulência que estava minha vida no Brasil, com tanta demanda externa e apontamentos pessoais de circunstâncias estruturais, eu me perdia nas confusões que caímos quando esquecemos de olhar para as pequenas coisas.

Como ignorar as pequenas coisas quando você passa nove horas por dias com quatro crianças?
Essa semana eu aprendi que primeiro vieram os dinossauros, depois os macacos, depois os humanos, brinquei de esconde-esconde, li dois livros, recebi três cartinhas, incluindo um retrato em folha sufite e lápis de cor, me comuniquei sem falar nenhuma palavra quadrada mas com sons viscerais e expressões faciais, recebi beijos, abraços e me escondi debaixo de uma coberta no meio da sala, fui a última a ser encontrada.

Voltar a cuidar de crianças fez eu relembrar o que uma criança havia me dito "Ame sem limites!", é preciso quebrar as amarras de todas as estruturas sociais acouraçadas em nós para ser capaz de tal ofício ou ainda não ter vivido anos o suficiente para ser convencido que perder a inocência e o olhar apurado para as pequenices é a coisa mais inteligente a ser feita.

Dessa vez foi por pouco que escapei dessa armadilha! Fui salva pelo quarteto fantástico e tenho uma longa aventura pela frente!

É bom estar de volta, não ao programa de Au Pair e tampouco aos Estados Unidos, é bom estar de volta em um lugar onde ser e não ser tem o mesmo peso e qualquer riso, choro ou sentimento tem seu tempo respeitado.

E é por isso que eu fico com a pureza no sorriso e nas respostas das crianças!
Que seja doce.